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Crítica | Zero de Conduta (Zero de Comportamento)

por Luiz Santiago
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Penúltimo filme de Jean Vigo, Zero de Conduta¹ (também chamado aqui no Brasil de Zero de Comportamento) é uma obra cheia de elementos biográficos e pode ser vista como a concepção de revolução que tinha o jovem cineasta francês, filho de um anarquista morto na prisão.

O filme começa no trem que leva os alunos para a escola depois das férias. No vagão em que a câmera se fixa, um garoto visivelmente inquieto olha para todos os lados, procurando algo para fazer. Quando, em uma das paradas, um amigo embarca, ambos começam a brincar com coisas que trouxeram de casa. Ao término da sequência, acendem cada um o seu cigarro e fumam languidamente, a fumaça que produzem fundindo-se à fumaça do trem.

Vigo tinha uma concepção moral, ética e comportamental do adolescente ou do jovem de que eles não são tão inocentes como parecem e que jamais podemos subestimá-los. O caráter pueril dos adolescentes da escola funde-se à sua astúcia e capacidade de organização e persistência, arriscando-se a uma série de “perigos” para levar adiante o plano de boicotar a apresentação institucional.

O filme é composto por pequenas sequências que dão a entender outras partes, acontecidas em elipse, como no caso do professor pedófilo, que tenta se aproximar de um dos alunos, o mais “sensível” de todos. Aqui, vale dizer que uma boa dose de homoerotismo foi adicionada à atmosfera do filme, acrescida por rápidas tomadas de nus, opressão e perseguição por parte dos professores e a postura totalmente contraditória desses mestres, todos autores de crimes e pecados. Zero de Comportamento é uma sentença não só aplicada aos alunos mas a todas as outras personagens do filme. Todavia, a câmera de Vigo é muito sutil ao supor essas entrelinhas e a montagem consegue equilibrar o poder dramático de cada uma delas, do começo ao fim do média-metragem, que ainda conta com excelente uso de câmera lenta, truques de edição à la Méliès e uso de composição de imagem com ângulos e planos muito espirituosos.

Podemos dividir os espaços cênicos do filme em três momentos, tendo cada um deles um significado próprio:

1 – O trem e a plataforma de chagada: introdução das personagens principais, seu caráter, personalidade e postura frente a autoridade do inspetor geral – desde aqui, a figura repressora por excelência.

2 – O quarto dos alunos e outros lugares internos: espaços de intimidade, revelam momentos de brincadeiras, estudo e confabulação de planos. Aqui, as personagens são vistas sem representação, suas “posturas verdadeiras” e seu caráter aparecem através de suas atitudes e (nenhum) comportamento.

3 – Os espaços externos: vão da poesia da imagem pontuada de humor (à la René Clair), ao momento da rebelião contra a opressão sofrida. O externo é o espaço da práxis, de se impor ao outro, de mostrar aquilo que tem dentro de si (geralmente oposto às fraquezas que o espectador viu nos espaços internos).

A estupenda música de Maurice Jaubert (que voltaria a trabalhar com Vigo em O Atalante, no ano seguinte) tem uma grande importância na caracterização de cada um dos espaços, sendo muito pontual e decisiva para acentuar o drama, a comédia ou o suspense. Cada acorde, cada trecho melódico parece seguir exatamente os movimentos em cena, mas é com uma economia inquietante de sons que o compositor logra formar a atmosfera diegética, algo que podemos constatar em suas melhores trilhas sonoras para o cinema.

Embora menos surrealista que nas duas obras anteriores, Vigo ainda usa toques dessa corrente que tanto admirava e um dos melhores momentos é justamente a cena final, com os garotos pulando como sapos. Momentos depois, já na ponta do telhado, todos estão prestes a levantar voo, como se fossem pássaros.

Liberdade é a palavra central em Zero de Conduta. Jean Vigo traz ao espectador uma realidade opressiva, ao mesmo tempo que lança o grito de transformação. Os garotos do colégio não são peças alienadas de um todo irreparável. Eles entendem que suas ações podem mudar a organização posta pelos professores devassos e pelo diretor anão; entendem que juntos podem fazer uma importante festa institucional terminar antes mesmo de começar; entendem que o mundo em que vivem pode ser modificado por eles e arriscam-se ao máximo para consegui-lo.

A mentalidade libertária que veio de berço para Jean Vigo aflora em Zero de Conduta cujo título refere-se ao carimbo que os opositores de qualquer regime recebem: o carimbo dos maus comportados. A diferença aqui é o despertar crítico para a realidade do que é viver em sociedade — ou o questionamento de um contrato social vigente que não se foi convidados a assinar, apenas obedecer.

1 – If… (1968), de Lidsay Anderson, é uma “refilmagem” desta obra-prima de Jean Vigo.

Zero de Conduta / Zero de Comportamento (Zéro de conduite: Jeunes diables au collège) – França, 1933
Direção: Jean Vigo
Roteiro: Jean Vigo
Elenco: Jean Dasté, Robert le Flon, Du Verron, Delphin, Léon Larive, Madame Émile, Louis de Gonzague, Raphaël Diligent, Louis Lefebvre, Gilbert Pruchon
Duração: 41 min.

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